Por que Big Data sem curadoria vale pouco com avanço da inteligência artificial, por Carlos Kazuo Missao*
O ChatGPT é o produto digital mais rapidamente adotado na história da humanidade. E não há nem base de comparação. Nos próximos sete anos, nós veremos uma evolução tecnológica que superará tudo o que vimos em velocidade e complexidade quando relembramos, por exemplo, as mais de cinco décadas de desenvolvimento dos computadores. E quem é a “culpada” disso? A inteligência artificial (IA).
Como alguém que estuda, vive e respira tecnologia há décadas, ainda é difícil acreditar que, em apenas poucos meses, o ChatGPT construído sobre algoritmos e arquiteturas de IA cresceu mais do que qualquer rede social, não importa qual delas você queira mencionar. Não há nada hoje que não interaja com IA. Se você lança um produto, mesmo não sendo digital, ele terá obrigatoriamente a IA embutida.
Como é de se esperar, os negócios também foram, são e serão para sempre impactados por essa nova tecnologia. Qualquer lançamento, não importa o mercado, trará IA no seu desenho e concepção (no caso de um software, por exemplo). Se for algo móvel, haverá um algoritmo trabalhando para entender o comportamento do usuário, para monitorar as redes e/ou trabalhar o marketing.
Esses conceitos se mostraram muito presentes nos intensos debates que aconteceram no SXSW 2023, o principal encontro mundial de tendências e tecnologia que aconteceu em março, em Austin (EUA). Mais forte do que isso foram as temáticas em torno de uma possível subjugação do aspecto humano na IA, e o seu uso em favor do bem-estar de humanos e demais seres no planeta. E, se possível, com alguma claridade ética.
Aqui, cabe trabalhar a IA por partes. Devemos saber, de saída, que a inteligência artificial não vai substituir a capacidade humana, ainda que esteja em tudo que vemos, sentimos ou tocamos. Somos nós que inventamos os algoritmos que, agora, estão muito além do que os seus criadores pensavam. Vejamos o caso do ChatGPT: eles não imaginavam essa quantidade de dados iria enriquecer tanto a sua plataforma, que é simples e gratuita (por enquanto).
O aprendizado faz com que o ChatGPT e outros mecanismos baseados em IA aumentem e enriqueçam os seus algoritmos. É um crescimento exponencial e, devemos admitir, incontrolável. A velocidade dessas evoluções não irá diminuir, ao que tudo indica, e isso pode ser amedrontador. Para onde a IA e a IA Generativa irão nos levar? Ninguém sabe. Eis aqui uma certeza fundamental e cristalina do nosso presente. Pela primeira vez eu realmente percebo que quaisquer projeções sobre o futuro da tecnologia digital (e da IA) são completamente incertas.
Há muitas opiniões mundo afora sobre o que vem por aí. No SXSW, a maioria das vozes advogou com o uso da tecnologia e da IA com o propósito de bem-estar ao ser humano e ao planeta. Já há iniciativas neste caminho, algumas reunindo IA, automação e design; outras, trabalhando experiência do usuário com IA e psicologia; ou ainda a presença da responsabilidade social que, com uma base tech, possa diminuir emissões de carbono. Esse uso positivo da IA depende, como já mencionei, do toque humano. É ele quem define a nossa relação com a máquina. A tecnologia por si só não faz nada disso. Até por isso não podemos fechar os olhos para o uso nocivo que pode ser dado aos algoritmos, e o mau uso de dados não pode ser ignorado.
Parafraseando Amy Webb, do Future Today Institute, vivemos em uma “AImosese”, estado em que a IA ingere qualquer tipo de dados (incluindo dados químicos e biológicos de humanos). Quer uma prova disso? Quantas vezes você já digitou ou mencionou algo próximo do seu smartphone e, pouco tempo depois, se viu invadido por ofertas relacionadas ao que acabou de abordar? A Internet irá atrás de você, graças aos grandes modelos de linguagem (LLMs) em que a IA se baseia.
Evidentemente, os desafios adiante são muitos e, por vezes, polêmicos. O aporte de US$ 10 bilhões feito pela Microsoft para a OpenAI, empresa criadora do ChatGPT, já nos mostra que o uso da tecnologia Azure em Nuvem tende a crescer. Mas é bom uma gigante tech ter tanta ascendência sobre tanta informação (e poder)? Outro dilema é a ideia de usar a IA para salvar o mundo, porém ser sustentável (consumir menos) no ambiente tecnológico ainda é algo desequilibrado. É um impasse que, desta maneira, também impacta os negócios.
A ética na era IA também está em voga na imprensa e nas sociedades pelo mundo todo. Ética é um conceito que, muitas vezes se baseia em uma percepção de senso comum, do que é certo e errado. Ela pode ser relativa e o que é interessante é que existem questões éticas inéditas por causa da IA. Por exemplo, como fica a inclusão para quem não tem acesso digital? Como fica a capacidade da Internet em me encontrar e eu não quiser ser encontrado? Assim como estas, há diversas outras discussões recentes e que ainda vão gerar muito debate. O debate ético não apresenta respostas prontas.
Não são poucas as pessoas que já tentaram “burlar” o ChatGPT a tratar de temas negativos. Em tese, a programação da IA da plataforma não permite isso, mas um artigo publicado no New York Times recentemente mostrou que, infelizmente, é possível fazer o algoritmo construir significados sobre assuntos ruins. Contudo, é possível haver uma lei para impedir que certos assuntos sejam tratados nesses ambientes de algoritmos? Penso que a questão é mais ampla.
Para as empresas, mais do que o desenvolvimento de produtos e soluções calcadas em IA para melhores resultados é preciso se atentar à cultura interna. O uso de dados corporativos sigilosos para construção de respostas com o uso do ChatGPT já rendeu polêmicas em companhias de diversos setores. Do lado do cliente, a experiência com base no uso de técnicas de IA com forte capacidade de execução em canais físicos e digitais vai impactar cada vez mais as compras e, consequentemente, os resultados financeiros.
Como tudo o que é incerto, o medo é um elemento presente e esperado. Mas a IA não irá diminuir a sua velocidade por causa disso.
*Carlos Kazuo Missao é Head of Innovation Solutions Americas na GFT Technologies