Marco Legal da IA e LGPD: novos desafios na privacidade e enriquecimento de dados, por Aline Noleto e Patrícia Domingues*
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), sancionada em 2018, e o Marco Legal da Inteligência Artificial, ainda em discussão no Congresso, trazem novos desafios para o uso de técnicas de enriquecimento de dados, que consiste em agregar informações externas a um banco de dados, a fim de torná-lo mais completo e eficaz para análises, aprimorando a tomada de decisões nas companhias.
Esse processo de aprimoramento de informações pode abranger, por exemplo, as preferências do cliente, o histórico de compras e os dados demográficos e de geolocalização. No entanto, o enriquecimento de dados pode entrar em conflito com princípios de privacidade e proteção de dados pessoais.
Um dos pilares da LGPD é a garantia de transparência aos indivíduos sobre como seus dados pessoais são tratados. Ou seja, a Lei possui como objetivo proporcionar às pessoas maior controle sobre seus próprios dados pessoais. Logo, no contexto de enriquecimento de dados pessoais, é preocupante que informações adicionais sejam incorporadas sem uma autorização explícita do titular de dados.
Além disso, nem sempre é possível rastrear a origem desses novos dados agregados. Nesse sentido, o consentimento do titular configura como forma mais transparente e direta para o enriquecimento de seus dados, permitindo-lhe concordar com o processo ou recusá-lo.
Outro princípio fundamental da legislação consiste na finalidade. Isso quer dizer que os dados só podem ser usados para propósitos específicos e legítimos. Desta forma, as informações sobre a finalidade do enriquecimento e quais dados serão enriquecidos devem ser claras, garantindo-se transparência ao titular sobre como suas informações estão sendo utilizados. O enriquecimento, no entanto, não pode abrir espaço para o uso de dados pessoais para finalidades não previamente informadas ao titular, e, caso este recuse o enriquecimento de seus dados, sua decisão deve ser respeitada.
O Marco Legal da IA também traz parâmetros para uso ético e responsável de dados e estabelece, por exemplo, que sistemas de IA devem ser guiados por fundamentos e princípios como transparência, não discriminação e responsabilização dos desenvolvedores e usuários de IA. O enriquecimento de dados, por vezes, contradiz esses princípios por envolver combinação de bancos de dados nem sempre auditáveis e potencialmente enviesados. Isso implica que as organizações que empregam Inteligência Artificial para aprimorar seus conjuntos de dados devem garantir que seus algoritmos sejam justos, não discriminatórios e que expliquem claramente como as informações são enriquecidas.
É importante destacar que o Marco Legal da IA prevê, como direito das pessoas afetadas por sistemas de IA, a privacidade e a proteção de dados pessoais, assim como o direito à informação prévia quanto às interações com sistemas de IA. Em paralelo aos benefícios relacionados à melhoria da qualidade dos dados, trazidos pela utilização de IA no processo de enriquecimento de dados, o Marco Regulatório da IA traz riscos relacionados a não demonstração de conformidade, o que evidencia a necessidade das empresas de investir em expertise em IA.
Diante desses desafios, fica evidente que o enriquecimento de dados requer uma abordagem cautelosa e responsável, dentro dos limites éticos e legais estabelecidos pela LGPD e pelo Marco Legal da IA. Isso inclui transparência sobre a origem dos dados agregados, consentimento dos titulares quando possível, uso responsável visando o bem comum e mecanismos de governança para avaliar e mitigar riscos à privacidade. Encontrar o equilíbrio entre inovação e proteção de direitos será fundamental nesse novo contexto.
*Aline Noleto e Patrícia Domingues são consultoras de Data Privacy da Protiviti