IA generativa é só a “ponta do iceberg” do que virá a ser a relação entre bancos e clientes no futuro, por Saulo Santos*
Assim como eu, tenho certeza que você já foi atendido por um chatbot em alguma interação recente com a sua instituição bancária. Ou seja, interagir com um organismo programado, de respostas prontas, já não é novidade para grande parte das pessoas pelo mundo. O que há de novo mesmo é o entendimento de que essas interações serão cada vez mais frequentes, personalizadas com o avanço da inteligência artificial (IA) generativa. O que temos até aqui é apenas a “ponta do iceberg”.
O grande propagador do que é a IA generativa, que trabalha com grandes redes de linguagens (LLMs), é o ChatGPT, lançado pela Open AI em novembro de 2022. A ferramenta é considerada a grande revolução no ambiente tecnológico em décadas, ao permitir que os usuários refinem e conduzam uma conversa com um sistema pré-programado, com capacidade computacional para lidar com grandes volumes de dados de toda ordem.
Da revolução produzida pelo pai da tecnologia da informação (TI), o matemático inglês Alan Turing, na década de 1940, até o início dos sistemas programáveis se passaram 30 anos. O machine learning ganhou corpo nos anos 1980, porém o Deep Learning só atingiu o seu potencial no século seguinte, nos idos de 2010. A tecnologia avança de forma cada vez mais veloz, e os próprios avanços do ChatGPT – a versão 4 é a mais recente e se tornou o app de crescimento mais rápido na história, com 100 milhões de usuários ativos mensais em apenas dois meses de operação – fomentam a existência de modelos rivais, a maioria deles desenvolvidos por Big Techs.
Dentre os principais setores da economia mundial, o mundo das finanças e dos negócios é provavelmente o que explora com mais profundidade no momento a ampla gama de possibilidades da IA generativa. Os altos investimentos em tecnologia na área por parte de bancos, fintechs e demais organizações buscam organizar o que há de favorável (eficiência, produtividade e satisfação dos clientes) com aquilo que se tenta minimizar (riscos, imprevisibilidade e insegurança em operações).
E toda a cadeia dessas companhias será afetada, em maior ou menor grau.
É o que Bill Borden, vice-presidente corporativo de serviços financeiros mundiais da Microsoft, chamou recentemente de “Intelligent Banking”, ou “Banco Inteligente”, ao se referir à nova dimensão que a inovação tecnológica abriu para as instituições financeiras. Os desafios financeiros, regulatórios e competitivos são muitos, mas os retornos são de igual grandeza. Um exemplo foi dado por um recente estudo global, no qual foi apontado um impacto positivo entre US$ 200 bilhões e US$ 340 bilhões nas operações dos bancos com o uso da IA generativa.
No Brasil, trabalho junto a um dos maiores bancos do continente e, como early adopter, já temos gerado resultados expressivos. O uso de plataformas de IA generativa como o AWS Code Whisperer e o GitHub Copilot, acelera soluções específicas, seja se conectando aos repositórios já existentes do cliente favorecendo a reutilização de artefatos (AWS Code Whisperer) ou por intermédio de uma enorme base de dados de treinamento, em benefício dos times da instituição e dos seus milhares de clientes. Além disso, o aprimoramento de códigos de programação e o desenvolvimento de novos softwares são outras possibilidades que apontam a direção do futuro e do que vem por aí.
Soluções personalizadas e riscos
Lembra-se daquele chatbot com o qual todos já falamos pelo menos uma vez, seja pelo aplicativo ou pelo serviço de atendimento telefônico das nossas instituições financeiras? Se hoje ele soa artificial e, por vezes limitado, ele trará respostas imediatas e personalizadas às consultas cada vez mais complexas de cada cliente. Não importa onde o cliente esteja ou idioma que ele fale: com a implementação da IA generativa nas operações, as interações serão mais satisfatórias, com uma experiência do cliente (CX) inovadora.
Devo lembrar que, embora a automatização de processos e operações seja uma realidade e apareça em franca expansão com as ferramentas de IA em desenvolvimento, o agente humano seguirá como quem direciona o caminho para que a tecnologia faça a melhor entrega. Ainda falando em bancos e clientes, equipes de atendimento não serão extintas, porém ficarão mais voltadas aos aspectos de alto grau de complexidade, os quais não podem ser resolvidos por uma máquina ou um algoritmo.
A oferta de respostas personalizadas em canais de autoatendimento também renderá mais ofertas e soluções nas áreas de marketing, vendas e varejo, com maior grau de refinamento e eficiência. É algo que já vemos no âmbito das redes sociais, mas instituições financeiras devem ampliar a sua presença no universo Open, com a cessão consentida de dados pelos seus clientes para compartilhamento com outros bancos e companhias de outros setores, gerarão oportunidades vantajosas e de acordo com o comportamento de cada cliente. No Brasil, o sucesso do Open Banking e do Open Finance indicam o que poderá beneficiar outros setores, como o de Insurance e Telecom, com a profusão dos chamados SuperApps, aplicativos que reunirão diferentes serviços financeiros ao cliente em um único lugar.
Para os funcionários das organizações bancárias e financeiras, o uso da IA generativa promete trazer algumas transformações importantes. Tarefas como escrever e-mails ou produzir apresentações serão geradas automaticamente e com rapidez. Não será só isso. Por meio de plataformas conectadas aos LLMs, será possível cada vez mais a migração de arquiteturas legadas com o processamento de linguagem natural (NLP), interpretando com exatidão consultas escritas ou faladas por clientes por respostas mais precisas e relevantes. Desta maneira, interações emergenciais como a perda de um cartão poderão ser totalmente resolvidas por um sistema automatizado.
Outro ponto de vital importância no mundo financeiro envolve o gerenciamento de riscos. Com a IA generativa, teremos processos mais eficientes em favor da coleta de dados, com a oferta de relatórios mais detalhados para tomadas de decisões sobre riscos e investimentos – da análise de crédito a orientação sobre a bolsa de valores –, de monitoramento e resolução de problemas relacionados à cibersegurança (fraudes). E isto tudo sem esquecer dos aspectos regulatórios que, hoje, são um aspecto desafiador a depender da legislação de cada país e suas restrições acerca dos dados dos seus cidadãos junto aos bancos.
Como um agente que trabalha pela transformação digital, percebo que tão grande quanto os ganhos que a IA generativa nos pode proporcionar é a necessidade de mudanças culturais internas no mundo dos negócios. Os bancos investem há décadas em tecnologia, contudo os sistemas de arquitetura, com troca constante de dados, são o presente – situação que, por sua vez, está imutável. Do B2B ao B2C, os esforços de digitalização estão mostrando hoje somente um aperitivo do que poderá vir a ser as relações entre as organizações e seus clientes.
Evidentemente, por ser uma tecnologia em desenvolvimento, a IA não está imune a erros em suas respostas, seja por falhas na base de dados ou em seus códigos, que gera respostas incorretas em determinados contextos. Ela também não escapa do uso para fins prejudiciais à sociedade, algo que só reforça a necessidade de um trabalho junto aos órgãos regulatórios locais – o setor financeiro costuma ter regras e leis rigorosas.
Para que a tecnologia, e não apenas a IA generativa, entregue todo o seu potencial, é preciso muito trabalho e inovação. A finitude dessa jornada, que está apenas em seu início, é imprevisível.
*Saulo Santos é Business Vice President no Brasil da GFT Technologies