Do teleatendimento à alta gestão: executivas contam como é fazer carreira no telesserviço
Operadores cada vez mais qualificados reinventam setor
Nicole da Silva Ferraz tinha 23 anos quando foi aprovada em um processo seletivo para trabalhar como suporte técnico de uma empresa de telefonia em uma multinacional de call center. Era seu segundo emprego e primeiro contato com o setor de telesserviços. Dois anos depois, veio a promoção para supervisora de Ouvidoria e Nicole não parou mais de crescer. Liderou uma central de instâncias – função durante a qual passou por uma transição de gênero -, cuidou da implantação de uma operação, comandando um time de cerca de 120 pessoas, fez um intercâmbio nos EUA e chegou à posição de gestora de clientes bilíngue de uma plataforma global de streaming. Há pouco mais de um mês, veio a grande promoção: se tornou gerente e atende agora contas do Brasil e de países de língua hispânica.
Hoje cursando ciência de dados, Nicole faz parte de um novo movimento do call center no país. Um dos maiores empregadores privados, com mais de 1,4 milhão de trabalhadores formais, o setor tem se reinventado, apostando na qualificação e na progressão de carreira de seus colaboradores, deixando para trás o estigma de subemprego em que predominam pessoas de baixa escolaridade.
Segundo a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), atualmente grande parte dos trabalhadores do segmento que já concluíram o Ensino Médio estão cursando o Ensino Superior. “Existe incentivo contínuo à educação e possibilidade real de crescimento, uma vez dentro de uma grande empresa”, destaca Antonio Guilherme, presidente do conselho de administração da ABT, acrescentando que há a necessidade de operadores cada vez mais capacitados para atender inclusive clientes de outros países. “Essas demandas estão moldando um novo perfil de profissional que, bem treinado e em pouco tempo, se torna apto a cargos mais altos e outras funções”.
“Quando comecei, as pessoas viam o telesserviço como uma colocação temporária, visando garantir um meio de sustento. Vejo agora uma realidade diferente, com a presença de muitos jovens investindo na atividade. Há plano de carreira para quem quer evoluir. Entrei com essa vontade e a empresa me deu oportunidade para desenvolver meu potencial”, conta Nicole que, parte de um setor conhecido por seu alto turnover, está há 17 anos na multinacional Atento.
Trajetória parecida tem Denize Cassorla, que fez carreira dentro da Teleperformance (TP). Há 21 anos na empresa, começou como agente de atendimento aos 16 anos, em um programa de estágio. Depois de dois anos, foi promovida a instrutora, dando treinamento aos novos agentes, até chegar à supervisora, passando por diferentes níveis de atendimento e perfis de contas, incluindo uma companhia aérea e uma TV por assinatura.
Enquanto atuava no call center, Denize cursou e se formou em arquitetura e acabou migrando para outro campo da empresa. Fundou a área de infraestrutura da companhia e hoje, como gerente sênior em Infraestrutura e Facilities, é responsável pelos 12 prédios da Teleperformance. “Aprendi tudo aqui. Tive acesso a diversos treinamentos, como de liderança e coaching, além de cursos de inglês. Nunca enxerguei o telesserviço como um ‘quebra-galho’. É possível construir uma vida profissional a partir disso. Eu cresci junto com a empresa”, frisa.
Quebrando paradigmas
John Anthony von Christian, diretor-executivo da ABT reconhece, no entanto, que os estigmas ainda são muitos. “A ideia de trabalho maçante, repetitivo e até intrusivo é a imagem que predomina na cabeça das pessoas. O Telemarketing, por exemplo, é uma palavra que costuma ser utilizada para definir um setor inteiro, quando na verdade é apenas um canal dentro de um universo muito maior que compõe a atividade e suas atribuições. Temos nos esforçado para quebrar certos paradigmas que persistem”.
Nicole ressalta que nunca gostou de ficar em uma mesma posição por muito tempo. “Não gosto de repetição. Na minha trajetória, desempenhei funções diversas e aprendi a lidar com níveis de criticidade muito distintos. O call center hoje mergulha fundo na experiência do cliente e envolve operações mais complexas e desafiadoras do que as pessoas pensam. Foi também onde desenvolvi minha habilidade de liderança”, complementa. O crescimento da gerente acompanhou a própria evolução da Atento que, além do atendimento SAC, passou a oferecer soluções para clientes corporativos, área na qual Nicole também atuou por 8 anos.
Denize corrobora. “Muita gente se surpreende por eu ter mais de 20 anos de casa, trabalhado em apenas uma empresa. Mas tem sido uma trajetória dinâmica. Fui aceitando novos desafios e aprendendo. Tem que correr atrás e agarrar as oportunidades de migração entre as áreas”.
Um setor em transformação junto com a sociedade
Esta reinvenção do setor também atravessou uma mudança de mentalidade. Inclusivo e diverso, o call center concentra, em sua maioria, mulheres, negros e pessoas da comunidade LGBTQIA+. “Evoluímos junto com a sociedade e nossa força de trabalho hoje é representativa deste progresso. É o retrato de uma nova realidade, mais comprometida com inclusão social e emprego de qualidade”, ressalta Gustavo Faria, vice-presidente do conselho de administração da ABT.
Nicole tem propriedade para falar sobre o assunto, já que sua transição de gênero aconteceu quando completou três anos na multinacional de call center. Ela conta que a Atento convocou toda a equipe, de modo a educar o time e acolher a sua nova identidade. “A empresa fez questão de garantir um ambiente seguro para mim. E me assumir trans e ser acolhida estimulou outras meninas a fazerem o mesmo”.
Da posição que ocupa como arquiteta, Denize avalia como o call center também transformou o seu próprio ambiente de trabalho nos últimos anos. “As empresas pensam muito mais no bem-estar do atendente, procurando fazer do ambiente laboral um lugar em que as pessoas desejem verdadeiramente estar. Ter tido a vivência do atendimento e hoje atuar na projeção destes espaços me ajudou a entender as dores e buscar alternativas cada vez mais funcionais”, diz.