Cultura Data-Driven e Inteligência Artificial nas grandes empresas, por Bruno Horta*
Em um ambiente cada vez mais competitivo, as grandes empresas têm buscado ganho de eficiência e rentabilidade através de tecnologias que utilizam os dados da própria empresa e de outras fontes. Essa tendência é crescente em vários tipos de negócios e é comumente chamada de “Data Driven” na terminologia do inglês, onde a tomada de decisão não é apenas baseada no conhecimento de especialistas, na intuição e na experiência dos executivos, mas trata o uso de dados como elemento principal.
A jornada de dados nessas empresas começa com uma definição de estratégia, passando pela arquitetura e governança, pelos processos de estruturação e culminando no consumo dos dados:
- A estratégia envolve o plano, que define como uma organização coleta, armazena, gerencia, usa e protege seus dados para alcançar os objetivos de negócios.
- A arquitetura é o desenho, como em uma planta baixa, de como as diversas entidades tecnológicas se interligam de forma a garantir a eficiência dos processos, reduzir custos e aumentar a segurança.
- A governança de dados é o conjunto de políticas e processos responsáveis por garantir que os dados sejam confiáveis, consistentes e disponíveis para os usuários que têm permissão para acessá-los.
- A estruturação consiste na preparação (extração, transformação e carregamento) dos dados em um ambiente que permita o consumo de forma eficiente.
- Por fim, o consumo consiste na geração de valor a partir dos dados por meio de análises que podem ser descritivas, preditivas e prescritivas.
O nível de maturidade na jornada de dados, mesmo em grandes empresas, pode variar muito. Empresas com uma forte cultura Data Driven praticam a jornada completa e levam as análises aos tomadores de decisão em diversos níveis na hierarquia da companhia. Em grandes organizações, é comum a prática de alocar times de especialistas em dados (data squads) nas diversas divisões da empresa, em um modelo descentralizado de descoberta de conhecimento, conferindo mais velocidade aos processos e análises e dependendo menos de uma estrutura de TI centralizada, que pode facilmente se tornar sobrecarregada pelo número de chamados. Esses times geralmente seguem uma metodologia ágil e podem variar em composição dependendo do tipo de entrega e análise envolvida. Para análises mais descritivas, os times geralmente são compostos de engenheiros de dados e analistas. Já para análises preditivas e prescritivas, é mais comum encontrar a figura do cientista de dados. Em muitas organizações em que a definição da estratégia depende do uso de dados, o cientista de dados chefe (CDS: Chief Data Scientist) responde diretamente ao CEO.
Nos tempos atuais, em que análises preditivas e prescritivas têm ganhado cada vez mais importância, as metodologias baseadas em inteligência artificial se destacam como armas importantes do arsenal do cientista de dados. Em linhas gerais, Inteligência Artificial (IA) é um conjunto de tecnologias que permitem que as máquinas realizem tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, como reconhecer padrões (em fala, escrita e imagens), tomar decisões, analisar dados e aprender com a experiência.
A IA é usada em um grande e crescente espectro de aplicações. Algumas aplicações comuns em empresas estão relacionadas a otimizar processos e operações, melhorar a experiência do cliente, prever demanda de produtos e serviços, precificar dinamicamente, detectar fraude, automatizar processos, dentre outras.
Para ilustrar melhor a geração de valor em um negócio de grande porte, considere como exemplo um grande varejista que faz uso de dados para auxiliar na tomada de decisão em seus vários níveis organizacionais.
- Diretoria Executiva (responsável pelas decisões estratégicas, estabelecimento de metas e diretrizes gerais): Como exemplo, considere que faz parte da estratégia de negócio a abertura de novas lojas, em locais prioritários que tenham uma demanda alta e crescente, cujo tipo de público é compatível com o tipo de produto ou serviço ofertado pelo varejista. A decisão da escolha dos melhores locais para expansão pode ser muito mais acurada levando em conta tecnologias prescritivas capazes de integrar diversas fontes de dados da empresa (como a malha atual, árvore de produtos, perfil de lojas etc.) com informações mineradas do mercado (como a demanda pelos produtos e serviços de forma regionalizada, o tipo de persona que reside em cada localidade, a presença e a força de concorrentes e a sinergia potencial com a malha existente). Tecnologias baseadas em Knowledge Graphs (em português, Grafos de Conhecimento) compõem o arsenal do cientista de dados moderno e podem ser usadas não apenas para integrar todos esses tipos de dados, mas também para representá-los de uma forma inteligente, permitindo que os executivos contribuam com o entendimento do negócio.
- Gerência Geral (responsável pelo gerenciamento das lojas, tarefas cotidianas e gestão das equipes, coordenando, por exemplo, as metas dos gerentes de lojas, responsáveis pela gestão em nível local): Nesse nível mais gerencial, as aplicações mais comuns de IA estão relacionadas à automação e otimização de processos. A IA pode ser usada para automatizar tarefas rotineiras, como a programação de turnos dos funcionários e a preparação de relatórios financeiros. Além disso, é possível combinar tecnologias de IA com IoT (Internet of Things; em português, Internet das Coisas) que são dispositivos de propósito específico capazes de realizar medidas e retornar os dados para serem analisados. Imagine, por exemplo, que algumas das lojas do varejista possuem um sistema de imagem para detectar quando as prateleiras de uma determinada área da loja estão desorganizadas. Essa detecção é feita por visão computacional, uma das várias técnicas de IA. Ao detectar uma prateleira desorganizada, um funcionário receberia uma notificação com a foto do local e uma mensagem requisitando sua presença no local.
- Área de Finanças: o varejista pode utilizar IA para uma gama de aplicações, como analisar dados financeiros (fazer projeções e identificar tendências), otimizar a alocação de recursos, realizar investimentos de forma automatizada, detectar fraudes, prever risco de crédito, entre outras. Essas duas últimas são especialmente importantes em grandes varejistas que possuem produtos financeiros além de seus produtos e serviços. Detecção de fraude pode ser realizada por várias metodologias, incluindo a já mencionada metodologia de grafos, mas também por outros métodos de detecção de transações atípicas. Risco de crédito pode ser minimizado com o uso de IA para prever, com base em dados dos clientes (como histórico de compras, scores financeiros etc.), aqueles com maior e menor risco, facilitando a definição dos limites de crédito de forma personalizada.
- Área de Operações (responsável por garantir que todos os processos estejam funcionando de forma adequada, incluindo o abastecimento e a gestão de estoques): É uma área que pode se beneficiar muito de IA, principalmente com modelos preditivos. Por exemplo, o planejamento de vendas e operações (S&OP) requer uma projeção da demanda futura para que o setor de suprimentos realize as compras dos produtos na quantidade adequada, pois comprar pouco pode ocasionar ruptura de estoque e comprar muito afeta o fluxo de caixa. Os modelos de previsão de demanda podem ser de diversas formas, mas cada vez mais os modelos baseados em IA têm ganhado espaço. Modelos mais avançados como Deep Learning (em português, Aprendizado Profundo) podem ser treinados em múltiplas séries temporais e podem levar em conta outras variáveis além do histórico de vendas, como o calendário de promoções, variáveis categóricas e até os preços praticados e dos concorrentes, levando a previsões precisas, mesmo em situações de alta sazonalidade ou alto nível de promocionamento.
- Área Comercial – Marketing e Vendas (responsável por conectar as necessidades dos consumidores com os produtos e serviços oferecidos e pelo relacionamento com o cliente da captação ao pós-venda): Uma forte tendência do mercado de varejo é a personalização de seus produtos e serviços e, nesse ponto, a IA é fundamental para assertividade na definição de personas. O nível de maturidade das empresas varia bastante nessa definição. Algumas simplesmente mapeiam clientes bons e ruins, outros constroem matriz RFV (recência, frequência e valor) e os mais avançados conseguem segmentar de acordo com o comportamento de compras, produtos preferidos, canais de compra, LTV potencial e outras informações. Com o amplo conhecimento do cliente em uma segmentação bem refinada é possível ser mais assertivo em recomendações (por exemplo, não oferecer picanha a um vegano), comunicar pelo canal preferido, receber feedback, fidelizar e extrair o máximo de valor do cliente. Metodologias de IA podem atuar em várias partes do processo, desde a segmentação, passando pela recomendação e atuando também no pós-venda. Nas compras online, é possível mapear quanto tempo o cliente gasta pesquisando o produto e, mesmo que o cliente não compre, é possível ofertar produtos por meio de anúncios inteligentes em páginas e notificações. Quem nunca recebeu um anúncio de um produto após ter visitado uma página de forma despretensiosa?
- Recursos Humanos (responsável pelo recrutamento, seleção, treinamento, desenvolvimento, remuneração e benefícios dos colaboradores): Alguns exemplos de aplicação de IA incluem a triagem automática de currículos, análise de desempenho, recomendação de treinamento, previsão de rotatividade (turnover), recomendação de mudança de função, dentre outras. Uma nomenclatura que vem ganhando popularidade nessa área é o People Analytics (em português, Análise de Pessoas). As empresas mais avançadas em IA para RH conseguem construir uma visão 360° do colaborador, aumentando a eficiência dos times e o grau de satisfação do maior ativo das empresas, as pessoas.
Esses foram apenas alguns exemplos de como o uso inteligente de dados nas organizações pode impactar todas as áreas de negócio de um varejista gerando eficiência, aumento de receita, rentabilidade, redução de custos e melhoria do bem-estar dos colaboradores. Para se manterem competitivas, é necessário que as empresas reflitam sobre como cada negócio poderá se beneficiar com essas tecnologias.
*Bruno Horta é Gerente de Ciência de Dados na Peers Consulting & Technology, Doutor em Ciências pela UFRJ e pós-doutorado em Simulação Computacional pela ETH-Zürich, Suíça. Atua com pesquisa na área computacional há mais de 15 anos, possuindo mais de 70 artigos científicos de prestígio internacional. É empreendedor, fundador e ex-CEO de Startup na área de Ciência de Dados. Já atuou em vários projetos com empresas de renome no Brasil e no exterior, principalmente aplicando técnicas de ciência de dados em problemas relacionados a P&D, Logística, Comercial e Expansão.