Empresas brasileiras conhecem o potencial da Inteligência Artificial para transformar os negócios, mas cultura empresarial ainda dificulta adoção massiva
Essa é uma das constatações do estudo da everis, em parceria com a MIT Tech Review, que consultou líderes de companhias latino-americanas com mais de 1.000 funcionários e receita superior a US﹩ 100 milhões. Pesquisa apontou ainda que as brasileiras e argentinas se destacam na realização de projetos com IA
A everis, consultoria de Negócios e TI, do Grupo NTT Data, em parceria com o MIT Tech Review em espanhol, acabam de realizar a pesquisa “Inteligência Artificial em empresas latino-americanas – uma visão geral da adoção e tendências na região”, que envolveu o C-Level de grandes empresas da América Latina, com mais de 1000 funcionários e receita superior a US﹩ 100 milhões. O principal objetivo do estudo foi aprofundar os conhecimentos sobre aspectos mais estratégicos da adoção e o potencial de negócios que a Inteligência Artificial oferece às empresas para sua transformação digital. Leia a integra aqu i .
“O estudo visou diagnosticar o estado atual de desenvolvimento, conhecimento e implementação da inteligência artificial em cada um dos seis países pesquisados na região – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru, que juntos representam mais de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) da região. Com isso, pudemos identificar boas práticas e desafios enfrentados pelos gestores para ter uma radiografia da situação atual e uma visão futura sobre a evolução de IA na América Latina”, afirma Evandro Armelin (foto), Head de Data & Analytics da everis Brasil.
Sara Álvarez, editora do MIT Technology LATAM, ressalta que os resultados permitiram entender a mentalidade dos gestores da América Latina sobre essa tecnologia, com o intuito de formular uma melhor estratégica para disseminar o conhecimento mais aprofundado sobre IA como uma ferramenta que vai além da tecnologia, que pode maximizar seu valor para as organizações e sociedade quando se transforma a maneira de pensar.
Foram entrevistados mais de 40 diretores e mais de 100 executivos que lideram a adoção de IA em suas empresas. Com isso, constatou-se que a adoção de IA pela maioria das empresas latino-americanas é incipiente e que o conhecimento a respeito das possibilidades que essa tecnologia oferece é ainda limitado. O curioso é que a maioria dos entrevistados (58%) acredita que IA tem potencial para revolucionar suas empresas, enquanto só 2,5% não acreditam que terá grande impacto sobre os negócios.
De acordo com os entrevistados, 53% das empresas não possuem nenhum tipo de aplicativo relacionado a IA e só 23% já trabalharam em algum projeto piloto de IA ou, pelo menos, uma funcionalidade ou unidade de negócios, apesar de 38% afirmarem conhecer os benefícios da tecnologia para os negócios. Porém, a maioria (60%) das empresas pesquisadas afirma que ter um longo caminho a percorrer para adotar a IA no cotidiano e 22% não consideram suas empresas maduras para isso.
Dentro deste cenário latino-americano, o Brasil se destaca na realização de investimentos em projetos de IA e está dois ou três anos mais avançado que os demais dos países da região. As grandes empresas brasileiras já investem de forma significativa para aproveitar as oportunidades oferecidas pela IA, focadas em projetos que melhoram a experiência do cliente e modelos preditivos de avaliação de riscos, em termos de saúde ou em termos de operação ou prevenção de fraudes, entre outros.
“Porém, no Brasil, apesar do conhecimento da tecnologia não ser problema, a maioria das empresas ainda utiliza a tecnologia só em projetos de eficiência operacional para ampliar vendas e reduzir custos e riscos, ou para melhorar o atendimento aos clientes (assistentes virtuais, hipersegmentação etc.), deixando de aproveitar seu real potencial para aperfeiçoar e mudar os modelos atuais de negócios”, explica Armelin. A grande questão nacional é a necessidade de mudar a cultura organizacional, que ainda resiste em entender que IA exige uma mudança generalizada na forma como as pessoas trabalham e fazem negócios hoje em dia.
Segundo Armelin, exemplos bem-sucedidos de utilização de IA para modificar o modelo de negócios nas Américas são o Banco do Peru e a Netflix. O Banco do Peru criou uma plataforma de benefícios para seus clientes que, por meio de aplicativos móveis, cruza dados históricos de cartões de crédito e outras movimentações para oferecer produtos e serviços aos consumidores recomendados por IA. As empresas-clientes que fazem as ofertas, por sua vez, se tornam parceiras de negócios da instituição e ganham 2% de comissão em cada negócio fechado. A Netflix, por sua vez, utiliza uma solução de IA para analisar o histórico e o perfil dos clientes para apresentar filmes e séries com descritivos e imagens personalizados ao gosto de cada expectador, ou seja, IA permite que a companhia de streaming ofereça o mesmo produto customizado para cada cliente.
Desafios para adoção de Inteligência Artificial
Considerando as particularidades das diferentes indústrias e dos países, a pesquisa também identificou desafios comuns para adoção dessa tecnologia na região:
• Visão e conhecimento de IA pela alta direção – existe uma desconexão entre os desafios de negócios e sua solução por meio de Inteligência Artificial devido a uma lacuna de conhecimento significativa das possibilidades reais da tecnologia pelos tomadores de decisão, que limita o uso de IA em projetos distintos e isolados, em vez de iniciativas estratégicas e transversais para toda a companhia.
• Falta de talentos especializados – a dificuldade não é apenas encontrar profissionais com as habilidades necessárias, mas também mantê-los nas empresas. Por esta razão, 1/3 das empresas participantes recorre a terceiros para desenvolver seus projetos de IA. Isso porque para trabalhar nessa área, os talentos precisam ter habilidades tecnológicas, incluindo de processamento de dados a conhecimentos matemáticos e estatísticos, além de entender como dados e IA podem gerar valor comercial. Justamente pelos amplos requisitos, esses talentos são disputados pelo mercado e requerem esquemas de compensação e lealdade diferentes da gestão tradicional de recursos humanos existentes na maioria das empresas consultadas. Segundo as repostas obtidas, 39% das empresas desenvolvem sua equipe in loco em capacidades e habilidades necessárias para realizar projetos de IA, enquanto 26% atraem talentos externos e 23% contratam consultores externos.
• Ética e regulação – o uso de IA apresenta muitos desafios e questões éticas e o ambiente regulatório de alguns países ainda está se adaptando a essa nova realidade. O atendimento destas regulamentações pelas empresas criará um quadro comum de princípios compartilhados capazes de garantir o uso seguro de IA. Agora, as companhias têm a tarefa de entender e agir de uma maneira responsável em questões como privacidade, justiça, inclusão social, transparência, prevenção de preconceitos, algoritmos e propriedade de dados.
• Disponibilidade dos dados – o armazenamento, processamento, análise e limpeza dos dados é um desafio, porque quanto maior a quantidade e a qualidade dos dados usados para treinar os algoritmos, mais precisos serão os resultados. Por isso, é necessário ter estruturas de captura de dados robustas e governança para garantir a segurança e privacidade das informações.
• Cultura e Governo – a maior preocupação dos entrevistados quando pensam em adotar IA em suas empresas é a mudança organizacional e cultural que provocará. Isso porque alguns funcionários e até mesmo clientes têm resistência à adoção de novas tecnologias, existindo nas organizações inclusive “detratores”, que relutam em aceitar soluções e formas de relacionamento puramente tecnológicas. “A cultura é uma preocupação realmente grande dos gestores, sendo que 60% deles têm receio de conversar com os colaboradores sobre a adoção de projetos de IA e seus impactos internos. Existe um temor de que IA reduza empregos, apesar de 65% afirmarem que máquinas não estão eliminando postos de trabalho. Por outro lado, 49% afirmam que IA também não criou nenhuma nova vaga em suas companhias”, ressalta Sara. Outras ressalvas se referem às questões de privacidade e a segurança das informações.
• Liderança e investimentos – a atual situação macroeconômica na região está limitando o orçamento das empresas disponível para novas tecnologias, o que mostra que muitas delas ainda percebem IA como uma despesa, sem conexão com resultados de negócios ou retorno financeiro claro. Os pesquisados apontam como principais razões para IA não ser usada em grande escala nos negócios: falta de estratégia clara; dificuldade para formar e reter talentos; restrições orçamentárias. “Ao falar de orçamento, 55% dos entrevistados informaram que suas organizações investem em inteligência artificial apenas de 1% a 10% dos recursos destinados a TI. Além disso, nove em cada 10 executivos consultados consideram os investimentos em IA insuficientes e 89% confirmam falta de capital para projetos de IA”, relata a executiva da MIT.
Com base em sua experiência no mercado brasileiro, a everis aponta que as companhias nacionais têm entre suas principais ressalvas para a implementação massiva de IA as questões culturais e de disponibilidade de dados confiáveis. “A cultura organizacional é um grande entrave para a maior adoção de IA. As pessoas, independentemente dos níveis na corporação, não entendem e não sabem como tirar proveito de IA, o que exige que façamos uma maior disseminação de informação sobre como esta tecnologia pode transformar e tornar mais interessantes os modelos de negócios”, detalha Armelin. Ele destaca ainda que outro aspecto relevante no Brasil é em alguns casos a ausência de informações confiáveis nas bases de dados, em outros o excesso de dados.
Melhores práticas latino-americanas
A pesquisa da everis e do MIT Tech Review em espanhol apontou que para alcançar a mudança cultural que desencadeia a adoção de IA pelas diferentes áreas das empresas é necessário ter a transformação digital como uma iniciativa contínua, além de ter o apoio e envolvimento dos líderes das organizações. “Verificamos que nas empresas bem-sucedidas na implementação de projetos de IA, o uso de metodologias ágeis é muito comum, desde a fase de identificação da demanda dos negócios e da necessidade tecnológica até a execução, além de confirmarmos que esses projetos exigem equipes multidisciplinares, com envolvimento da empresa-cliente, trabalhando em processos interativos de implementação de tecnologia”, detalha Armelin.
O estudo mostrou também que uma boa prática latino-americana é a criação de um ecossistema de talentos em torno da empresa, de modo a propiciar a articulação de uma rede de conhecimento e aprendizagem que impulsiona a adoção de tecnologia. Outro fator relevante notado foi que desenvolver casos comerciais com KPIs de sucesso podem ser um passo essencial para o início de todo o programa de Inteligência Artificial.
A pesquisa apontou também as tendências para a ampliação dos projetos de IA na região, como: dependência de superpotências tecnológicas, como China e Estados Unidos; democratização da tecnologia, com disponibilização de bibliotecas de código aberto e produtos on demand comercializados na nuvem; velocidade de atualização, melhora da eficácia dos algoritmos de IA para criar um círculo virtuoso de soluções. Outros aspectos que tendem a evoluir são a criação de um ecossistema de talentos, com as grandes companhias latino-americanas trabalhando junto com as universidades para formar profissionais qualificados; adoção generalizada e dimensionamento de projetos, com mais provas de conceito e projetos de grande extensão e maior impacto nos negócios. Além disso, a IA será colocada a serviço da sociedade para responder a desafios sociais, como inclusão financeira, cuidados de saúde para a maioria da população, e outros.
“O estudo sobre os desafios para a adoção de IA nas companhias da América Latina nos deixou otimistas em relação à implementação gradual de novos projetos de IA, com diferentes abrangências, especialmente mais focadas na transformação dos modelos de negócios”, destaca o executivo da everis. Mas ele informa que as conclusões são de que para atingir todo o potencial da IA como um elemento de inovação e de diferenciação competitiva, as empresas devem promover mais conhecimento sobre a tecnologia para a alta direção e principais gestores e investir em projetos de IA com maior valor para os negócios.