A padaria e o cliente: um episódio que abre diálogo sobre o trabalho remoto, por Fernanda Mourão*
Nos últimos anos, a sociedade tem testemunhado uma revolução no modo como as pessoas trabalham, impulsionada pela ascensão do trabalho remoto. Entretanto, incidentes como o ocorrido recentemente em uma padaria em Alphaville, São Paulo, demonstram que ainda existe um longo caminho a percorrer para que a sociedade compreenda plenamente essa forma de trabalho e suas implicações.
Em 31 de janeiro de 2024, um cliente foi expulso de uma padaria por simplesmente usar o Wi-Fi e abrir seu notebook do local para desempenhar suas atividades profissionais. O incidente rapidamente se tornou viral nas redes sociais, chamando a atenção para um debate mais amplo sobre a compreensão e aceitação do trabalho remoto em nossa sociedade.
O vídeo da discussão entre o cliente e o dono da padaria revela o cerne da questão: a resistência em aceitar que o trabalho remoto é uma realidade cada vez mais presente. O cliente argumentou que estava utilizando o Wi-Fi com o seu notebook para trabalhar, sem perturbar ninguém, mas mesmo assim foi convidado a deixar o local. Esse episódio demonstra que muitos ainda não compreendem a natureza do trabalho remoto e suas nuances.
O debate nas redes sociais revelou opiniões divergentes. Alguns apoiaram o cliente, argumentando que ele estava no direito de utilizar o Wi-Fi e abrir seu notebook no estabelecimento, enquanto outros defenderam a prerrogativa do dono da padaria de estabelecer regras em seu negócio. Esse confronto de opiniões mostra que ainda há uma falta de consenso sobre o que é aceitável quando se trata de trabalho remoto em lugares públicos.
É importante ressaltar que, no Brasil, a legislação também não está completamente alinhada com a realidade do trabalho remoto em lugares abertos. A CLT não faz menção explícita a essa modalidade de trabalho, deixando margem para interpretações. A Reforma Trabalhista de 2017 definiu o teletrabalho, mas deixou muitas questões em aberto, como a necessidade de acordo entre empregador e empregado.
A Portaria MTP nº 677/2021 trouxe alguma clareza ao estabelecer que o teletrabalho pode ser realizado em qualquer local, inclusive em lugares abertos. No entanto, a falta de regulamentação específica em relação a lugares públicos e a resistência cultural ainda persistem.
Para evoluir em relação ao entendimento do trabalho remoto, a sociedade precisa adotar uma abordagem mais aberta e inclusiva. É crucial que os estabelecimentos comerciais, como a padaria em questão, e seus clientes estejam dispostos a dialogar e encontrar soluções que beneficiem ambas as partes. Além disso, a legislação deve ser atualizada para refletir as necessidades e realidades do trabalho remoto moderno.
Este tipo de trabalho é comum em países como os Estados Unidos e Inglaterra, muito antes da pandemia. Os estabelecimentos não são obrigados a acomodar todos os clientes, mas podem reservar algumas mesas para aqueles que desejam trabalhar, sem prejudicar os clientes que desejam apenas almoçar. Além disso, muitos cafés estão equipados com tomadas e Wi-Fi para atender às necessidades dos trabalhadores remotos.
O estudo intitulado “Remote Working in Cafés and Public Spaces: An Exploratory Study of Workers’ Experiences and Needs” publicado no Journal of Business and Psychology, investigou as experiências e necessidades dos trabalhadores remotos que optam por utilizar cafés e espaços públicos como local de trabalho. Por meio de entrevistas qualitativas com trabalhadores remotos revelou que esses indivíduos escolhem esses locais devido à conveniência, a busca por um ambiente diferente e a oportunidade de interação social.
Em última análise, a sociedade ainda precisa evoluir em sua compreensão do trabalho remoto. Este incidente na padaria em Alphaville é um lembrete de que, à medida que novas formas de trabalho surgem, devemos estar dispostos a adaptar nossas mentalidades e criar um ambiente onde o trabalho remoto seja aceito e respeitado por todos e seja natural. A evolução é inevitável, e é hora de abraçar plenamente o potencial do trabalho remoto em nossa sociedade.
*Fernanda Mourão é CEO da Futuro Labs